No último dia 29 de novembro, a primeira turma do STF votou um parecer em que entende que o aborto voluntário nos três primeiros meses de gravidez não seria crime. A votação em questão dizia respeito à revogação da prisão de cinco médicos e funcionários de uma clínica clandestina de aborto, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em 2014.
Com essa decisão volta à discussão a discriminalização do aborto nos três primeiros meses de gestação, sendo que essa decisão do Supremo poderia servir de precedente favorável em discussões futuras.
Esse é um tema caro ao Congresso e aos setores mais conservadores da sociedade e às entidades de defesa dos direitos da mulher, principalmente à causa feminista. De um lado, feministas e entidades que defendem as mulheres argumentam que a mulher tem o direito de decisão sobre o seu próprio corpo. Ou seja, o Estado não teria o direito de intervir na decisão de uma mulher de levar ou não uma gravidez adiante. Do outro lado, grupos que defendem o direito à vida, principalmente os religiosos argumentam que o feto, nesse caso também tem o direito à vida e nesse entendimento, a vida começa com a concepção.
O caso fica mais complicado quando fica claro, nas estatísticas, que as mulheres mais penalizadas com a criminalização do aborto são justamente aquelas que deveriam ser mais amparadas pelo Estado, ou seja, as mulheres mais pobres, com menor escolaridade e sem acesso a um serviço de saúde que as ajudasse a interromper a gravidez de uma forma segura.
O aborto clandestino, em relatórios de 2015, foi colocado como a 5ª maior causa de morte materna no país. Em geral essas mulheres são negras e pobres. Mulheres das classes mais altas podem recorrer a clínicas particulares e fazer a interrupção da gravidez sem maiores consequências.
O fato é que o aborto, de qualquer maneira é um trauma para a mulher. Existe a dor, a vergonha, o medo e acima de todos esses sentimentos paira a mística de estar matando uma vida, que muitos entendem começar já na concepção. Para além das discussões de cunho religioso e filosófico, o fato é que as mulheres não deixam de abortar por ser o aborto proibido e nesse caso é óbvio que quanto menos dinheiro mais precárias e arriscadas as condições desses abortos.
Nesses casos, também, a mulher é a grande vítima, já que o homem que concebeu esse feto junto com ela não é de forma alguma penalizado. Sabemos ainda que na maioria desses casos, uma gravidez acidental levada adiante ficará a cargo unicamente da mãe, sendo que muitos homens nem sequer reconhecem seus filhos.
A situação ideal seria aquela em que a mulher não precisasse recorrer à interrupção da gravidez, simplesmente por ter um método eficiente de evitá-la. A questão é realmente delicada e envolve muitos pontos de vista válidos. Mas a grande questão é : onde está esse Estado que pune na hora de educar a população ou criar programas de saúde e planejamento familiar ? Esse mesmo Estado deixa famílias inteiras viverem em condições de pouquíssima ou nenhuma infra-estrutura, saneamento básico e educação, mas se coloca como paladino da moral na hora de defender a vida.
Não há dúvida que a vida deve ser defendida como o bem maior. Mas a vida é a vida de todos, isso inclui sim a mãe e a família na qual esse feto irá chegar. Seria muito melhor prevenir do que remediar. E melhor ainda seria que as mulheres tivessem um pouco mais de amparo do Estado, no sentido mais amplo da palavra. Infelizmente, fica difícil de acreditar que existam mulheres, sejam namoradas, filhas, esposas, amigas, amantes, ligadas à congressistas contra a descriminalização do aborto, que jamais tenham se deparado com essa triste escolha. Uma escolha onde, seja qual for, a mulher sempre perde.
Se a gravidez fosse uma prerrogativa masculina, sabemos que alguns resultados poderiam ser muito diferentes nessa discussão.