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Coisas Do Arco Da Velha * Antonio Cabral Filho – Rj
Antonio Cabral Filho edita dois blog de contos; no blog BRUACA DE CONTOS ... http://cabraldobrasil.blogspot.com.br/ ... Antonio Cabral Filho reúne os contos com temáticas rurais e folclóricas e no outro blog denominado CACTUS URBANOS ... http://1antoniocabralfilho.blogspot.com.br/ ... Antonio Cabral Filho publica os contos com temáticas urbanas e culturais.

-theathing-

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COISAS DO ARCO DA VELHA

– Os etês gostam de bunda. Foi o que captei da conversa entre as meninas, enquanto caminhava no calçadão do Liceu.

– Tem caras que não gostam, né; acho que não são chegados; comer um cuzinho será que não faz bem?!

– Cruz credo! Exclamei mentalmente, e segui meu caminho rumo ao Fórum, que fica em frente.

Elas vieram na minha direção, a passos firmes, olhar direto, “você tem fogo…”, perguntou a morena pele-de-cuia, “e como tem”, observou a loira de olhos azuis, típica europeia, me examinando de cima a baixo, parando os olhos, ostensivamente, na minha barriguilha; “te vejo sempre por aqui”, disse a morena, enquanto eu lhe entregava o isqueiro; “é, estou sempre na cantina, tomando café; café de Fórum é choco, frio, fraco, e causa-me asia; então, venho na cantina, às vezes comer alguma coisa”, concluí.

– Uma bucetinha, um cuzinho e o que mais? Indagou a loura, acendendo o cigarro.

– Você está sempre cercado de meninas! Não é à toa!! Vai ver é o maior safadão, pica doce…. Completou a morena, sempre combinando seus ataques com a colega.

O Liceu é uma escola destinada à classe média alta, concebida nos tempos do império, onde só entravam filhinhos de papai e seus apadrinhados do aparelho de estado. Mas isso dançou com o advento da república, e hoje, assim como os “Pedro II”, recebem qualquer um, desde que aguentem suas provas de avaliação, pois ainda são um padrão de ensino almejado pelas camadas interessadas em ascensão social e tecnica. Seus prédios são construções coloniais, com arquitetura rebuscada, estilosos; janelões de madeira nobre, ainda insensíveis ao cupim. Uma coisa fantástica em termos de concepção, pois possuem salas espaçosas, bem arejadas, lousas imensas, mesas de cedro vernisadas, cheias de gavetas; seus corredores lembram aqueles do filme Harry Potter, sinistros de arrepiar. E no caso do Liceu Nilo Peçanha, de Niterói, Rio de Janeiro, tem um sótão, que seguramente foi planejado como adega, pois tem balcãozinho cheio de compartimentos para copos, taças e talheres, à frente de um espelho na parede em moldura de mogno e uma silhueta vitoriana; além de um velho barril de carvalho, aonde, sem dúvida, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Lima Barreto e tantas outras celebridades literárias desta terra de orfandades iniciaram-se nos caminhos da radicalidade estética.

– Conhece o sótão do Liceu? Indagou a morena, quase ao pé do meu ouvido.

– É ideal para uma brincadinha… Insinuou ela. Respondi que lá eu já namorei, me embriaguei, estudei e fiz muita reunião do grêmio.

– Então é “liceano… Vamos!” Disseram ambas, quase em uníssono.

No rádio da cantina, exatamente às dez da manhã no meu Rolex, tocava uma canção, cujo trecho diz assim:” Deixa isso pra lá, vem pra cá, venha ver. Eu não tô fazendo nada, nem você também…” e seguia insinuando outras coisas, ditas pela voz de um dos meus tantos ídolos da mpb, Jair Rodrigues.

Bom, pra encurtar o lererê, a morena está aqui em casa há 32 anos. Já somos avós, e, nem os filhos nem os netos jamais saberão das nossas façanhas e quando lhe mostrei o rascunho deste texto, ela fitou-me com seu olhar fogueando e objetou: você não pôr aí os detalhes…

– Claro que não!! São nossas relíquias!

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