Parece fácil responder a essa pergunta. É só conferir as letras miúdas nas embalagens e lá estarão, em geral (dependendo da marca e tipo do produto), o açúcar, leite, gordura vegetal, emulsificantes, aromatizantes, lactose e, claro, o cacau.
De acordo com uma legislação de 2005, só pode ser chamado de chocolate o produto que tiver pelo menos 25% de cacau em sua formulação (o número foi reduzido. Antes esse percentual era de 32%). Isso significa que existem barras no mercado cuja composição é de 50% de açúcar ou mais. É de se pensar: nosso paladar gosta mesmo de cacau? Ou é uma forma apenas mais “gostosinha” de comer açúcar?
No canal Do Campo à Mesa, a jornalista Francine Lima discute a composição das barras, mostra diversos tipos de produtos e levanta a questão: o que faz você gostar do chocolate?
Problemas ainda maiores
Mas a composição vai além dos ingredientes descritos nos rótulos. Para fabricar seus produtos, muitas marcas compram grãos de cacau provenientes de fazendas na África que se utilizam de trabalho infantil – uma atividade ilegal e perigosa.
Além de não frequentarem escolas, muitas vezes as crianças recebem punições severas quando se recusam a trabalhar, não são remuneradas e estão constantemente expostas a agrotóxicos e outros produtos químicos utilizados nas lavouras.
Em setembro de 2001, os principais representantes da indústria de chocolate assinaram o Protocolo Harkin-Engel, no qual se comprometeram no empenho ao combate ao trabalho infantil. Mas como saber se a palavra foi cumprida? Como enxergar o que não está diante dos olhos?
Em 2010, o jornalista dinamarquês Miki Mistrati investigou o assunto e produziu o documentário “O Lado Negro do Chocolate”, que pode ser visto na internet com legendas em português (veja abaixo). Mistrati viajou à África, e com ajuda de lideranças locais e câmeras escondidas revelou que o tráfico de crianças para as plantações de cacau da Costa do Marfim ainda existe.
A Costa do Marfim é a maior produtor mundial de cacau. Até mesmo o Brasil já importou o fruto de lá (em 2009, foram 60 mil toneladas), apesar da grande produção cacaueira no sul da Bahia. Hoje o Brasil só exporta para alguns nichos de mercado para produção de chocolates especiais e de alta qualidade, como orgânico e silvestre (leia mais em reportagem da Agrolink).
A pergunta que não quer calar e permeia todo o filme é: o que as empresas estão fazendo para impedir o trabalho escravo no setor?
Além de mostrar imagens e entrevistas com crianças vítimas do tráfico, o documentário investigacomo a indústria é acusada de acobertar as práticas que violam os direitos humanos e à infância. Ao mesmo tempo em que empresários do setor se esquivam de respostas claras, crianças de zonas rurais africanas são vendidas a fazendeiros de cacau por 230 euros – cruzando zonas conflituosas de fronteira e ficando longe de familiares por anos.
O relatório “Situação Mundial da Infância 2011”, da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), destaca que “desde o início da guerra civil, em 2002, a Costa do Marfim tem enfrentado obstáculos graves a seu desenvolvimento político, social e econômico. (…) O conflito resultou em casos assustadores de violência baseada em gênero e em amplo recrutamento militar, ao mesmo tempo em que desestruturou a educação e destruiu instalações médicas. (…) Nesse contexto, os adolescentes, que em 2009 somavam 23% da população total da Costa do Marfim, tornaram-se e permanecem extremamente vulneráveis. Além do recrutamento militar, da escravidão sexual e da migração forçada, meninas e meninos adolescentes sofrem ainda outras consequências da guerra civil, sejam elas diretas ou indiretas. Os meninos, por exemplo, estão sujeitos ao envolvimento nas piores formas de trabalho infantil nas fazendas de cacau, uma das principais fontes de renda do país – entre 1994 e 2003, a Costa do Marfim foi responsável por 38% da produção global de grãos de cacau. Embora as crianças tenham trabalhado por muito tempo nessas fazendas, e embora seja difícil obter dados sobre a prevalência do trabalho infantil no país, os conflitos por terras para lavourafuncionaram como agentes catalisadores da guerra e intensificaram a disputa por trabalhadores para um setor crucial para a retomada do desenvolvimento do país. Estima-se que a maioria das crianças que trabalhava nessas fazendas tinha menos de 14 anos de idade e era proveniente de grupos étnicos específicos do país ou migrante de Burquina Fasso. Os mais vulneráveis são aqueles deslocados pela guerra e que não têm vínculos com os fazendeiros ou com as comunidades locais”.
Os elos que não vemos
O processo produtivo que alimenta toda essa cadeia começa com a colheita do cacau e secagem dos grãos ao sol. O produto é comprado por intermediários por 1 euro/quilo e vendido a exportadores nacionais. Eles lavam, ensacam e vendem os grãos a 2,50 euros/quilo às empresas que irão transformá-los em pó ou manteiga de cacau. Ao final, o quilo de cacau a 1 euro para o produtor se transforma em 40 barras de chocolate.
Desde 2007, a campanha Stop the Traffik procura aumentar a consciência de consumidores e empresas para o problema, cobrando posicionamentos firmes da indústria do chocolate. Uma das alternativas é comprar chocolates certificados – embora não sejam tão comuns e, em geral, custem mais. A campanha sugere que o consumidor procure por rótulos como Fairtrade, UTZ Certified e Rainforest Alliance.
Alguns produtores de cacau da Bahia já receberam a certificação UTZ, que promove a produção sustentável de cacau, como parte do programa “Cargill Cocoa Promise” (saiba mais neste link).
Com informações do Valor Econômico, BBC Brasil e Agrolink.