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Candido Portinari: um brasileiro universal
Pintor, ilustrador, professor. Candido Portinari teve uma produção de obras profícua no decorrer de sua vida. Mundialmente, a mais famosa delas talvez seja o duplo painel Guerra e Paz, que ornamenta a sede da ONU, em Nova York. Politicamente engajada, sua obra é profundamente brasileira e, ao mesmo tempo, inegavelmente universal. Pintando o cotidiano, seus embates, suas alegrias e misérias, o artista também é tido, nas palavras de Israel Pedrosa, como o “Pintor do Novo Mundo”. Um mundo que emerge das lutas e desejos da humanidade.

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Pintor, ilustrador, professor. Candido Portinari teve uma produção de obras profícua no decorrer de sua vida, elaborando desde ilustrações até grandes painéis que ocupariam edifícios públicos. Mundialmente, a mais famosa delas talvez seja o duplo painel Guerra e Paz, que ornamentou a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, de 1956 até 2010, quando foram iniciadas obras de reforma no prédio e a obra voltou a ser exposta no Brasil.

Integrando as coleções de importantes galerias e museus dos Estados Unidos, Europa e América Latina, sua obra recebeu grande reconhecimento internacional. Já em 1935, o pintor recebeu o prêmio do Instituto Carnegie de Pittsburgh (EUA), tornando no primeiro modernista brasileiro a ser congratulado fora do país. Em 1946, recebeu a comenda mais alta concedida pelo governo francês, a Ordem Nacional da Legião de Honra – época que coincidiria com sua turbulenta atividade política no Brasil. Em 1950, o pintor receberia o prêmio de melhor pintor do ano, concedida pela International Fine Arts Council, em Varsóvia, na Polônia. Em 1955, seu painel Tiradentes (1949) recebeu a medalha de ouro concedida pelo júri do Prêmio Internacional da Paz, em Nova York, Estados Unidos. Finalmente, em 1956, Portinari recebe o Prêmio Guggenheim de Pintura, pelos painéis Guerra e Paz na sede da ONU.

Com uma obra profundamente brasileira e, ao mesmo tempo, inegavelmente universal, o pintor costuma ser descrito como o intérprete do Terceiro Mundo. Pintando o cotidiano, seus embates, suas alegrias e misérias, o artista também é tido, nas palavras de Israel Pedrosa, como o “Pintor do Novo Mundo”. Um mundo que emerge das lutas e desejos da humanidade. As obras de Portinari expressam os mais intrincados conceitos da cultura a qual o pintor era contemporâneo, apontando quase que invariavelmente para um futuro promissor.

Brodowski

Circo, 1933. C. Portinari.n

Candido Portinari nasceu na fazenda Santa Rosa, em Brodowski, no Estado de São Paulo, em 30 de dezembro de 1903. Foi o segundo dos 12 filhos que seus pais, imigrantes italianos vindos da região do Vêneto, tiveram no Brasil. Após trabalhar como ajudante, ainda em Brodowski, de um grupo itinerante de escultores e pintores italianos que decoravam igrejas do interior, Portinari parte para o Rio de Janeiro e ingressa no Liceu de Belas Artes e Ofícios, em 1919. No ano subsequente, o pintor ingressa na Escola Nacional de Belas-Artes (Enba) e expõe pela primeira vez em 1922, recebendo Menção Honrosa. Já iniciando seu percurso de reconhecimento, o pintor expõe, com grande apoio de Mário e Oswald de Andrade, na mostra da Galeria do Itá, em São Paulo, em 1934. Foram expostas as obras Retrato de Maria, Circo, Jogo de Futebol emBrodowski, O Morro, Índia e Mulata, Despejados, Café (primeira versão) e Mestiço eLavador de Café, obras onde o artista já delineava seu estilo próprio e inovador que o consagraria como grande artista.

Política

Café, 1934. C. Portinari.

Nas eleições de 1945, Portinari candidata-se a Senador Federal, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), perdendo por pequena margem de votos na eleição – eleição essa que nunca esteve isenta da possibilidade de fraude. Após as eleições daquele ano e devido a suas atividades ligadas ao PCB, Portinari é perseguido pelo governo Dutra e obrigado a exilar-se no Uruguai, em 1947. Seria lá que o artista pintaria a Primeira Missa no Brasil, obra destinada a decorar o prédio projetado por Oscar Niemeyer para abrigar a sede do Banco Boavista, no Rio de Janeiro.

Retirantes, 1944. C. Portinari. n

Em tempos da Guerra Fria, o medo e a intolerância política predominavam e, quando convidado para participar da Conferência Cultural e Cientifica para a Paz Mundial, em Nova York (1949), tem o visto negado pela Embaixada Americana. Ainda naquele ano, teve de comparecer à Polícia Central para prestar esclarecimentos sobre sua participação na Escola do Povo. Em 1958 seria indiciado, juntamente com Niemeyer, o escritor Dalcídio Jurandir e o pianista Arnaldo Estrela pelo apoio à instituição – Portinari era dirigente de pintura da escola. Anos depois, também seria impedido de entrar na França e só conseguiria obter o visto 60 dias depois, sob a condição de não fazer nenhuma declaração política – o pintor já tinha tido sua correspondência com Luís Carlos Prestes violada pelo Estado enquanto expunha em Paris, em 1946.

Sempre muito enlaçado à vida política e social brasileira, Portinari também estava fortemente ligado à literatura. Em 1956 o pintor realizou uma série de 22 desenhos à lápis de cor sobre Dom Quixote, que viriam a inspirar 21 poemas de Carlos Drummond de Andrade. Em 1959, ilustrou o romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Mas talvez sua ligação mais forte tenha sido com o escritor Graciliano Ramos. Companheiros do PCB, frequentemente têm suas obras relacionadas pelo retrato nu da miséria, a exemplo de Vidas Secas, de Graciliano, e de Retirantes, de Portinari. Em correspondência trocada com o pintor em 1946, Graciliano discorre sobre o as dúvidas e os paradoxos que ocupavam seus pensamentos em relação ao projeto social pelo qual lutavam e seus projetos artísticos:

Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram. O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejaremos realmente que elas desapareçam, ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você me mostrou quando almocei em Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe a segurar a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz, que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromas, anjinhos cor-de-rosa, e isto me horroriza.

Graciliano e Portinari. Foto: Museu Casa de Portinari. n

Candido Portinari faleceu em 6 de fevereiro de 1962, ironicamente intoxicado pelas tintas que o consagraram. Trabalhando freneticamente, a intoxicação de Portinari começa a tomar proporções fatais – o pintor já havia sido internado com uma hemorragia intestinal, devido ao chumbo presente nas tintas que usava, em 1953. Felizmente, sua obra permanece, uma autêntica expressão do século XX. É através dessa expressão que emerge a universalidade de sua obra, revelando desde as reminiscências de sua infância rural, passando pelo cenário fustigante das nascentes metrópoles, até as cenas da vida e da alma brasileiras.

O portal do Projeto Portinari traz uma linha histórica completa sobre a vida e obra do autor. Acesse.

Vinicius de Andrade