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3 recomendam3 min20 de janeiro de 2014 7 minutos de leituraO holocausto brasileiro"Duzentos e oitenta homens, a maioria nu, rastejavam pelo assoalho branco com tozetos pretos em meio à imundície do esgoto aberto que cruzava todo o pavilhão [...] Tentou evitar pisar naqueles seres desfigurados, mas eram tantos, que não havia como desviar". O cenário nos remete aos campos de concentração nazistas, porém está bem longe da Alemanha e da segunda grande guerra: é o Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, que chega a ultrapassar a brutalidade de alguns campos nazistas com mais de 60 mil mortos. Essa história é contada pelo livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex.Clique aqui para ler a publicação original.
Um cheiro ninsuportável alcançou sua narina […] foi surpreendida pelo odor nfétido, vindo do interior do prédio. Nem tinha se refeito de tamanho nmal-estar, quando avistou montes de capim espalhados pelo chão. Junto aon mato havia seres humanos esquálidos. Duzentos e oitenta homens, a nmaioria nu, rastejavam pelo assoalho branco com tozetos pretos em meio àn imundície do esgoto aberto que cruzava todo o pavilhão […] Tentou nevitar pisar naqueles seres desfigurados, mas eram tantos, que não havian como desviar […] avistou num canto da ala um cadáver misturado entre nos vivos […] o décimo sexto naquele dia.
O cenário descrito pelo trecho nos remeten aos campos de concentração da II Guerra Mundial, como o campo de nBuchenwald, no leste da Alemanha, que matou cerca de 56 mil nprisioneiros. A narração acima, porém, se passa bem longe de lá e do ncontexto da segunda grande guerra: o local descrito é o Hospital Colônian de Barbacena, em Minas Gerais, que chega a ultrapassar a brutalidade don campo nazista com mais de 60 mil mortos.
Criado em 1903, o Hospital Colônia foi o nprimeiro do estado de Minas Gerais – Barbacena já chegou a ter 7 nmanicômios instalados na cidade – e foi referência no meio durante 30 nanos, o que acabou por atrair mais pacientes. No entanto, a grande nmaioria dos novos internos que chegavam ao hospital nunca deveria ter nparado lá. Cerca de 70% dos internos não tinham nenhuma doença mental ndiagnosticada, eles eram homossexuais, epiléticos, tuberculosos, nalcoólatras, prostitutas, rebeldes ou pessoas que se tornavam inimigas ndo poder político e econômico. Eram filhas de fazendeiros que perdiam a nvirgindade antes do casamento, meninas violentadas pelos patrões – e nmuitas delas grávidas –, homens e mulheres que tinham perdido seus ndocumentos, pessoas simplesmente tímidas e até mesmo crianças.
Em 1966, o número de internos do hospitaln já era de 5 mil, número que nunca fora acompanhado pelos recursos que an instituição recebia – a capacidade, na época, era de apenas 200 ninternos. Os internos viviam em condições sub-humanas. A higiene pessoaln e coletiva não existia: os pacientes faziam suas necessidades em nqualquer pavilhão, no chão, nos capins em que dormiam e, movidos pelo ndesespero, em momentos de fome e sede insuportável – o que acontecia nsempre em Barbacena, já que o alimento era racionado pelo governo – ningeriam as próprias necessidades. Em dias muito quentes, o esgoto era numa opção para aqueles que queriam saciar a sede e refrescar-se do ncalor. Os pacientes eram deixados no pátio cimentado, sendo levados às noito horas da manhã e só retirados de lá às oito da noite. Eram nesquecidos, muitas vezes eram deixado sem roupa (roupas que, quando nhavia, eram trapos azulados), rodeados por ratos e insetos. Passavam nfrio, Barbacena é conhecida por seus invernos de frio intenso. Todos neles dormiam juntos, sem privacidade, em capins amontoados, cheirando a nfezes e urina – quando algum interno fazia suas necessidades, o capim nera apenas lavado e colocado no sol para secar e voltar às camas. As ncamas também eram insuficientes, assim como eram os médicos e os nmedicamentos: os enfermos seguiam definhando até a morte.
A essa altura Barbacena já tinha recebidon a alcunha de “cidade dos loucos” e merecido a atenção de nomes como o ndo escritor mineiro Guimarães Rosa e do filósofo francês Michel nFoucault. Foucault, autor de História da Loucura (1961), nparticipou de um ciclo de palestras e congressos em Minas Gerais que nacabariam por aumentar os esforços para fechar o Hospital Colônia. Já nGuimarães Rosa cunhou a expressão “trem louco” para designar os trens ncarregados de pessoas prestes a serem internadas em Barbacena. Rosa, quen era médico e viveu na cidade durante os anos 1930, faz referência ao ntrem que cruzava o país e levava ao hospício em seu conto “Sorôco, sua nmãe, sua filha”, da obra Primeiras Estórias (1962):
Aquele carro pararan na linha de resguardo, desde a véspera, tinha vindo com o expresso do nRio, e estava lá, no desvio de dentro, na esplanada da estação. Não era num vagão comum de passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo nnovo. A gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em dois, nnum dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os npresos. A gente sabia que, com pouco, ele ia rodar de volta, atrelado aon expresso dai de baixo, fazendo parte da composição. Ia servir para nlevar duas mulheres, para longe, para sempre.
Devido à condição inumana do hospício, a nmédia de mortes por dia era de pelo menos 16 internos, o que criava uma nproblemática com o acúmulo de corpos. A “solução” encontrada foi a vendan ilegal de corpos para universidades: cerca de 17 universidades do país nforam responsáveis pela compra de pelo menos 1850 corpos para abastecer nseus cursos de medicina. Somente a Universidade Federal de Minas Gerais n(UFMG) foi responsável pela compra de mais de 500 desses corpos, que neram comercializados por cerca de 50 cruzeiros cada um (cerca de 200 nreais). Ainda assim, quando não havia compradores suficientes, os corposn eram decompostos ali mesmo, no pátio do hospício, às vistas de outros ninternos.
Essa é a realidade contada pelo livro Holocausto Brasileiron (2011), da jornalista Daniela Arbex. A obra também traz a história de nfuncionários que lá trabalharam e de alguns internos sobreviventes do nColônia, que começou a experimentar uma mudança – lenta – em sua nrealidade apenas a partir dos anos 1980 e até seu fechamento. Ainda nos nanos 1960 começaram as denúncias sobre a realidade brutal que assolava an instituições e a revista O Cruzeiro publicou uma matéria que ndenunciava a situação e trazia fotos que chocaram o país na época, mas on caso logo cairia no esquecimento. Apenas 20 anos depois, com esforços en denúncias realizadas por profissionais ligados à psiquiatria e também npela imprensa, é que foi possível iniciar um processo de mudança que nresultaria no fim da instituição. Em 1979, o filme Em nome da razão – Um filme sobre os porões da loucura, de Helvécio Ratton trouxe à tona, pela primeira vez em vídeo, os horrores vivenciados no interior do hospital.
Holocausto Brasileiro
Autora: Daniela Arbex
nEditora: Geração Editorial
nPreço médio: R$30 - 10 erros comuns por fotógrafos
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