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A garota que decidiu seu destino
Ficção: garota decide como vai viver sua vida.

Seu pai era um canalha e a mãe, omissa: receita cruel para uma infância de abusos e maus tratos. Quando estava no início da adolescência o pai largou a mãe, para correr atrás de uma sirigaita, como se usava chamar esse tipo de mulher. Ver sua mãe sofrer resignada levou-a a tomar uma decisão: nunca, jamais, nenhum homem a faria sofrer! Aos doze anos se sentia madura, e sem paciência para conviver com os colegas da escola, que achava tremendamente imaturos, especialmente os meninos. Pediu a sua mãe para parar com os estudos, pois já sabia o básico para sobreviver e não tinha paciência para frequentar a escola. A mãe lhe disse que sua vida seria muito mais difícil sem um diploma, mas ela argumentou com tanta firmeza que venceria na vida trabalhando com o que mais gostava de fazer, que a mãe se deu por vencida. Cozinhar era o que ela mais gostava de fazer. A mãe lhe deu todo apoio, ensinando-lhe os segredos da culinária que dominava muito bem.

Aos dezoito anos era bonita e tinha formas atraentes: algumas polegadas a mais nos quadris, outras tantas no busto. Tinha pernas e coxas bem torneadas e um sorriso cativante. Esses atributos atraíam muitos pretendentes. Tinha fama também de ser excelente cozinheira.

Em pouco tempo estava casada com um homem mais velho, mas ainda atraente, e bem posicionado. É evidente que houve uma ajudazinha da mãe, que pensava dessa maneira garantir seu futuro. Alguns meses se passaram e ela não se sentia completamente feliz, como esperava ser. Tudo era bom, menos o lado afetivo. Para compensar, se esmerava na cozinha e todos os dias inventava uma nova sobremesa. Das suas mãos saíam pavlovas, cheesecakes, tiramisus, mousses de chocolate, de laranja e de limão, profiteroles, pastéis de Santa Clara e, nos dias mais frios, fondue de chocolate ou torta de maçã quente com sorvete de creme. Na despensa nunca faltavam os doces tradicionais brasileiros que incluíam goiabadas, bananadas, pessegadas, figadas e rocamboles, além das geléias de frutas da estação. Ao mesmo tempo, enquanto o marido a cobria de elogios, e afirmava estar vivendo no paraíso, ela comia como um passarinho, e não se descuidava de sua dieta e dos exercícios para manter a forma.

Uma noite, no auge do ato sexual ele lhe disse para o chamar de paizinho. Ela parou de imediato e sentiu como se um martelo fosse atirado sobre sua cabeça. Saiu do quarto e se refugiou no quarto de hóspedes, onde permaneceu o resto da noite, sem dormir e sem sossego. Muito cedo, enquanto servia o café da manhã, informou que dali em diante ele jamais a tocaria novamente. Poderiam continuar casados, se fosse o desejo dele, e ela continuaria fazendo o que mais gostava: cozinhar. Mas, exigia que dormissem em quartos separados. Poderiam manter as aparências de casal feliz se ele assim o desejasse. Talvez pelo avançado da idade e o receio de morar sozinho, ele aceitou suas exigências sem criar dificuldades. Certamente pesou nessa decisão também seu apetite por doces.

Assim, ele se resignou, pediu desculpas, e só lhe pediu para continuar a servir os doces que lhe encantavam tanto. Em alguns meses ele adoeceu. Tinha diabetes, e não sabia. Várias hospitalizações se seguiram e um dia ele a chamou ao hospital. Havia um tabelião ao seu lado, a quem ele pediu que procedesse a leitura do seu testamento. Deixava para ela tudo que tinha, porque não tinha parentes próximos. E não era pouco: vários imóveis, investimentos e ações. Ela ficaria rica. Ele lhe agradeceu pelos melhores momentos que vivera. Ela lhe afirmou com sinceridade que pelo menos para ela os momentos que passaram juntos não foram piores do que os momentos que ela vivera antes do casamento, e ele sabia que ela falava a verdade. Poucos dias depois ele faleceu.

Ela não se desesperou nem chorou demais. Apenas se comportou com dignidade de viúva. Passaram-se alguns meses. Aos poucos, novos pretendentes foram surgindo. Não pôde evitar o assédio, mas notava que quase todos os pretendentes eram homens mais velhos. Para tomar uma decisão, resolveu aceitar convites para sair e aos poucos foi formando uma ideia do que deveria fazer. Isso lhe ocorreu porque invariavelmente os homens que a procuravam eram iguais ou muito parecidos com o falecido marido.

Nessa época sua mãe faleceu, não sem antes revelar o quanto sofrera nas mãos do ex-marido, especialmente porque sabia das atitudes dele em relação à filha. Ela lembrou-se da promessa que se fizera de jamais deixar que homem algum a fizesse sofrer. Repetiu essa promessa solenemente no túmulo da mãe. Enquanto os pretendentes deram-lhe uma trégua, em respeito ao seu luto, colocou um plano em prática. Passou a investigar todos os seus pretendentes, especialmente quanto aos hábitos alimentares, vícios como fumar, prática de esportes, e estado geral de saúde. Explicava-lhes que tinha ficado traumatizada com a morte repentina do marido, e queria ter certeza de que não enviuvaria novamente tão cedo. Mentalmente, montou um sistema de pontuação em que quanto mais riscos existissem de o candidato adoecer, melhores suas chances.

Não demorou muito e novamente estava se casando: o vencedor entre os pretendentes tinha problemas com colesterol alto e hipertensão, mas, como acontece com a maioria dos homens, simplesmente ignorava as recomendações do médico tão logo saía do consultório, e raramente fazia os exames requisitados. Ela, entretanto, alegando preocupar-se com a saúde dele, passou a cuidar desses pormenores e a controlar os resultados dos exames, exigindo que ele os fizesse após a consulta semestral ao cardiologista. Enquanto isso ampliou a sua produção de sobremesas cremosas, cada vez mais ricas em gorduras e açúcar. Agora, se esmerava nas sobremesas e nas carnes e frituras. Um simples cafezinho era acompanhado por biscoitos amanteigados, bolos e empadas. Raro era o dia em que não servia, no almoço e no jantar, pratos como steaks au poivre, leitão assado, quiche Lorraine, linguiças fritas ou omeletes gigantescas e deliciosas, acompanhados de batatas fritas ou de maionese, sempre em excesso. Uma vez por semana, ela fazia um jantar especial. Quando fazia comida chinesa, por exemplo, usava uma técnica para justificar o sabor agridoce da maioria dos pratos. Primeiramente, colocava sal em demasia, depois acrescentava açúcar até equilibrar novamente o sabor. Em seguida, colocava mais sal, e depois, mais açúcar…

Dizia ao marido que para ter saúde era imperioso viver bem, e evitar preocupações desnecessárias. Ele teve um enfarte fulminante cinco anos depois do casamento, mas deixou-lhe uma gorda conta bancária. Antes de morrer no hospital, ele lhe agradeceu em presença do corpo médico, pelos melhores anos de sua vida. Ela se comoveu e até derramou algumas lágrimas. Estava agora com quase trinta anos, e passou a ser cada vez mais exigente.

Os próximos dois maridos morreram de complicações causadas por diabetes e enfarto agudo do miocárdio. Todos demonstraram ter sido felizes e lhe deixaram bens. Depois de enterrar o quarto marido ela voltou ao cemitério onde jazia sua mãe. Rezou, com sinceridade, e ficou pensativa por um longo período em frente ao túmulo. Tomou ali mesmo a decisão que lhe aliviou o peito: estava na hora de começar a viver sua vida como achava que merecia. Aprendeu línguas, viajou, frequentou spas de luxo, e se divertiu como uma criança que pode comprar ingressos para todos os brinquedos de um parque de diversões, pois tinha condições financeiras para isso. Logo após completar quarenta anos sentiu-se atraída por um homem da sua idade. Ele era rico, elegante, atlético e saudável. Ela contratou uma cozinheira e viveram felizes.