O Sol já desponta no céu alaranjado iniciando as primeiras horas de sábado, Dona Jorgina (87), apanha sua valise de couro vermelha conservadíssima que fica dentro de duas sacolas acima do velho guarda roupas. E ela sabe que terá uma longa jornada, pouco importa a fadiga, a vontade de ver seus netos supera tudo, organiza cuidadosamente suas roupas dentro da valise.
Senta-se junto à mesa enquanto saboreia uns goles do café preto, conversa com os retratos dos netos acima do armário da cozinha. Três anos se passou desde que viu seus netos pela última vez, no casamento de Daniele, sua outra neta. A saudade é imensa, as mãos trêmulas da idade misturada à emoção de visitá-los confere na carteira de crochê os trocadinhos para a passagem apanha um pote com uma ampla fatia de bolo de milho, feito à tarde de ontem, e parte em direção a rodoviária. Mais algum tempo lá está ela sentada na poltrona D14 perto da janela, o ar condicionado a força colocar seu casaquinho, ignora o filme legendado na Tv e prefere observar a paisagem da estrada seis horas de viagem até São Paulo.
Perto de meio dia chega ao terminal Tietê, e num andar manso procura a qualquer custo desviando da multidão que passa a sua frente chegar até o telefone público, desiste e prefere perguntar a outra senhora:
– Como faço para chegar à estação sorocabana?
– Estação Sorocabana? Ah! Sim a estação Júlio Prestes. Para onde a senhora está indo?
– Osasco, respondeu de bate-pronto.
– Algumas coisas mudaram por aqui, deixe me anotar para a senhora exatamente como deve fazer.
Seguiu cuidadosamente a anotação feita por aquela senhora. Chegou a Osasco apanhou o ônibus no terminal e seguiu rumo à Av. Flora, poucos minutos para abraçar fortemente seus netos, bateu palma e nem percebeu que havia campainha ao lado da caixa de correios. Seu neto colocou a cabeça para fora da porta e imediatamente gritou ao pai que havia uma mulher no portão. Ao fundo alguém pede que avise que seus pais não se encontram, mas antes do menino responder Dona Jorgina interrompe dizendo:
– É sua avó Gabriel, não me reconhece? Chame seu pai!
Mesmo desconcertado o filho vai receber a mãe no portão, a beija timidamente e só no quarto degrau rumo à porta se oferece para carregar a valise da mãe. Dos netos apenas recebeu um “oi vó” e se esparramam no sofá mexendo o tempo todo no celular, até a Andrea de oito anos já tem celular, sua nora ainda dorme. Enquanto bebe a um copo de água, pergunta ao filho como está a vida, que sentiu saudades, da escola dos netos e se recebeu as cartas que lhe enviou durante o inverno.
A neta interrompe a conversa do pai, questiona se ainda irão ao cinema agora que sua avó chegou, pois sua melhor amiga está perguntando no whatsApp. O pai desconversa, o neto xinga uma vez que não passou de fase no joguinho de celular, a nora acorda e vai direto ao banho, o filho recebe uma ligação da empresa, abandona a mãe sentada sozinha na cadeira dura da cozinha, ela apanha as louças da mesa para lavar, e percebe o seu neto dar apenas uma mordida no bolo que ela trouxe, engole olhando para a avó em demoradas mastigadas e larga o resto no prato.
Fala comigo minha neta! Filho você esta me escutando? Desliga este celular pelo amor de Deus! Tua mãe está aqui, veio de longe para te ver. Escuta o que sua mãe está falando, conte-me sobre você, quais seus planos, como anda as coisas na empresa, e sua esposa quando é que vai sair do quarto? Vão pedir pizza? Desde a hora que ela acordou está apertando este celular!
Filho, Já não tenho teu pai, meus filhos não me visitam não tenho mais neto para conversar, já não se olham mais nos olhos, nem se conversam no jantar, é o tempo todo no celular trocando as oportunidades de passar minutos, horas e dias, tempo que não voltará, por celulares e outras distrações sem fim, ladrões do tempo. Prestem mais atenção na vida! Um dia, sua mãe não estará mais aqui, e os eletrônicos não suprirão o amor de uma família, nem a saudades do que você não viveu com eles enquanto estavam. Acorde e viva no mundo real!
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem“
-autor desconhecido