O Carinho é o óleo que lubrifica as engrenagens da vida e do coração. Só agora que tomei conta do seu significado. Já é tarde da noite e ainda não preguei os olhos, não adianta! O sono não engata. Amanhã eu trabalho, preciso dormir, mas é impossível e eu sei o por quê. É que o meu coração está pesado e cheio de ruídos.
Agora a pouco me aconteceu algo, estava concentrado em um projeto e meu filho de onze anos fez algo que eu julguei inaceitável. Ele fazia muito barulho e ao repreendê-lo ele disse: “Ah tá, Pai!” num instante de irritação infantil. Eu claro, dei-lhe uma bronca daquelas, gritada, refletida e ele me pediu desculpas, assim como fazem os adultos de boa vontade.
Mas, não consegui perdoá-lo ali na hora. Nem ao meu filho a quem eu disse “Não” nem a mim mesmo fui capaz de oferecer perdão. Encerrei nosso maravilhoso fim de semana e o mandei ir dormir, pois já estava tarde.
Entrei madrugada adentro trabalhando, mas meu coração está perturbado, pesado de culpa. Como pude fazer aquilo? Fui até seu quarto, dorme feito anjo. Agora estou aqui, insone, doente, sofrendo a falta dele, consumido de medo e culpa. Efeitos colaterais terríveis pela minha incapacidade de perdoar.
E se eu morrer agora? E se me faltar oportunidade de dizer a ele de perto, olho no olho, que o perdoo sim. E se amanhã não conseguir explicar com a devida calma o porquê não se responde ao seu pai com ironia, mas que o pai aqui é o mesmo que o pega no colégio todos os dias, aquele que dá boas risadas e que o ama mais que tudo nessa vida?
E se eu disser tudo isso e ele não acreditar em mim? Se qualquer dessas coisas acontecerem, a culpa será minha. De todas as nossas dores, uma das mais dolorosas é a nossa falta do perdão. Meu Deus! Como é difícil perdoar! Aos outros e a nós mesmos, todos nós somos enormes depósitos de mágoas.
Nossas casas internas estão abarrotadas delas. Gavetas, guarda-roupas, esquecidas em caixas de papelão fechadas desde a mudança, entupindo passagens de quartos mal usados, interrompendo o fluxo do ar e a luz da vida. Cheios de velhos rancores, culpas, chateações e ressentimentos endurecidos esperando nosso perdão.
Explodi numa bronca desmedida, fui incapaz de desculpá-lo, explicar-lhe os motivos da minha ira porque meu coração está tumultuado por preocupações recorrentes, irritações corriqueiras e outros entulhos. Lixo puro e simples, mato, erva daninha se arrizando no quintal. É muito mais fácil magoar as pessoas do que perdoá-las. Maldito orgulho.
Tudo isso porque dar e receber perdão honestamente, como a verdade das crianças, é tão difícil quanto decisões mais complexas da vida. Perdoar deve ser isso mesmo, né? Decidir seguir em frente com a bagagem reduzida. Hoje eu não consegui. Não perdoei a má-criação de meu filho na hora certa e não perdoo a mim mesmo por isso. Minha bagagem segue pesada como meu coração.
Acho que não vou morrer antes de ver meu filho novamente. Não desta vez. Mas é certo que morri um pouquinho hoje, insone, triste, lembrando seus olhinhos de perdão à espera da minha compreensão foi então que amanheceu.
É outro dia. Tempo de tentar de novo. Perdão, meu filhote lindo. Uma hora, com todo o amor que nos cabe, este seu velho pai há de aprender.
Perdoe-me meu filho.
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