5 minutos de leitura
Definitivamente, uma raridade!
"Escrito a próprio punho, coisa rara hoje em dia, artesanalmente esculpida por palavras inocentes de um coração juvenil em letras primárias, mas com um poder incalculável capaz de unir universos e extinguir guerras"

Dona Ana e dona Romilda são vizinhas de portão, casas geminadas, uma branca outra amarela, ambas colecionam nos seus quintais mudas de plantas, coleções muito bem organizadas. Numa manhã qualquer garoava muito e como de praxe as duas saíram para comprar pão logo pela manhã, quase se cumprimentaram se não fosse o fato de cada uma sair para um lado da rua, apressando os passos a chegar primeiro à única padaria do bairro que fica exatamente atrás do quarteirão.

Estas duas senhoras são amigas de infância, interromperam a amizade por uma bobagem qualquer, contaria a vocês se soubesse do ocorrido a não ser pelo fato de que nenhuma das duas lembra-se mais de como tudo ocorreu, sendo assim, a mais de dois anos não se falam, não cedem e não se permitem. Pois bem, estas senhoras não sabiam o que o destino lhes reservara durante aquela semana de Julho.

Era uma manhã de domingo, a campainha tocou, chegara o neto da dona Romilda que iria passar o dia com a avó, pois sua mãe tinha um compromisso. Entre risadas, bolinhos, doces e conversas inocentes, chegou até ajudar a avó transplantar algumas mudas para novos vasos, assim se divertiam com a terra adubada que caia no chão e as pequenas minhocas que estavam no fundo do velho vaso. Seu neto, de apenas onze anos reparou através da grade do portão que no quintal da vizinha também havia plantas e perguntou a avó: A senhora poderia conversar com sua vizinha que possui plantas e quem sabe trocar? Pode ser que ela tem alguma que a senhora não tenha e vice-versa, teriam algo em comum para dividir os seus dias. Eu por exemplo troco figurinha com meu vizinho de apartamento, as últimas figurinhas são raras de se achar, completou o neto.

Dona Romilda suspirou e cautelosamente disse que esta tal vizinha era sua melhor amiga e que de repente ficou “orgulhosa” demais, e por isso não se falavam mais. O neto ouviu atentamente o que a avó dizia, e reparou que havia tristeza no olhar da avozinha, mas o guardou para si. Com o passar do dia as atividades de dominó, desenhar em cartolina, assistir a desenhos na TV e apesar de toda aquela doçura que a avó fazia para o café da tarde, algo amargo incomodava o garoto. Sabe, era triste ver aquelas mãos enrugadas pelo tempo, os olhos verdes sempre bem lubrificados pela alma, toda aquela sabedoria em manusear os ingredientes com as receitas mágicas e todas aquelas comidas gostosas, algo tinha de ser feito para expulsar de vez aquela tristeza da vozinha.

Não sabia o garoto que dona Ana, vizinha de sua avó era também uma mulher muito sozinha, não demonstrava, mas ficava muito preocupada quando sua avó Romilda não saia de casa, dava um aperto no coração ver todas aquelas janelas fechadas e a luz apagada, não sabia se ela estava bem, confessa no seu íntimo que às vezes chegava a ligar para a vizinha, deixava o telefone tocar e ao atender colocava silenciosamente o telefone no gancho, era apenas para saber se havia alguém ali. Fora as tentativas de que todas as manhãs ao ir à padaria procurava sair no mesmo horário para ver se a vizinha lhe puxava conversa e quem sabe perdoar por algo que se tenha feito, mas que não se lembrara de mais nada, talvez por conta da idade avançada.

O Neto muito pensativo saiu andando pela casa e chegou até ao quarto que pertenceu a sua mãe, no criado mudo encontrou um bloquinho de papel carta, daqueles todos enfeitados que sua mãe colecionava quando ainda adolescente, então apanhou uma caneta pensou um pouquinho e cuidadosamente para não errar na caligrafia escreveu dois bilhetes: Sendo o primeiro:

“Querida vizinha, sinto saudade de nossas conversas, você não faz ideia de como meus dias são tristes sem a sua companhia, por favor, Jesus nos ensinou a perdoar o próximo e gostaria de em nome dele pedir desculpas pelo que houve entre a gente. Um beijo!”.

Já no segundo bilhete escreveu:

“Suas plantinhas estão tão bonitas, com esses vasos que colocou a pouco as violetas estão ainda mais belas, por favor, sinto muito pelo que ocorreu e gostaria de pedir o seu perdão. É importante para mim sua amizade vamos esquecer o que ocorreu, já nem me lembro, e se me perdoares não tocaremos mais neste assunto, Um beijo!”

Só não sabia o garoto que naquela escapada apressada para que a avó o não visse saindo na rua, deixou cair os bilhetes no chão e talvez por força divina os bilhetes fossem trocados inocentemente nas caixas de correspondências. Logo sua mãe retornou e após gole do chá da tarde, partiram.

Na manhã seguinte, lá se vão as duas abrirem o portão para irem até a padaria, mas antes dona Ana abre o bilhete recém-tirado da caixa de correspondências, ao mesmo tempo em que dona Romilda já em lágrimas terminara de ler seu bilhete, ao se olharem precisou apenas de um longo abraço para expressar toda a felicidade que suas bocas não conseguiram. Aquela manhã o sol brilhou mais forte, havia mais pássaros do que o normal nas árvores, até beija flor visitou-as, o ar estava mais leve, mais gostoso de respirar, como um oxigênio puro. Bendito seja a inocência do mundo, um bilhete, e quem diriam, fora escrito pois a próprio punho, coisa rara hoje em dia, artesanalmente esculpida por palavras inocentes de um coração juvenil em letras primárias, mas com um poder incalculável capaz de unir universos e extinguir guerras. Como não se via há muito tempo, definitivamente uma raridade.

Assim conhecemos as pessoas pelas suas atitudes, os bilhetes carregam um poder incrível te elevam valores, é capaz de fazer as pessoas imaginarem: Poxa! Deu-se o luxo de escrever esta mensagem de próprio punho! Oras quem não gostaria de acordar e ver um bilhete na cabeceira com palavras doces e de incentivo, quem não gostaria de folhear um livro e cair em seu colo uma folhinha perdida escrita uma poesia eternizada de alguma época? Reative esta arte perdida! Apenas tente!

Definitivamente, uma raridade!

***