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Budismo
algumas considerações sobre uma filosofia complexa

Quando eu era mais jovem, eu acreditava que budismo era a religião do Dalai Lama, aquele senhor risonho, vestido em um manto vermelho, que percorre o mundo defendendo as causas do Tibet e pregando a compaixão. Ao entrar em contato com a religião, descobri que o budismo também era isso, mas em última análise, ele é muito mais.

O budismo nasceu como religião a partir de buda Sakyamuni  (ou buda histórico), conhecido como príncipe Sidarta Gautama, que teria vivido entre 400 e 500 anos antes de Cristo, em uma região onde hoje se localiza o Nepal. Segundo a tradição budista, ele foi um príncipe do clã dos Sakyas, que habitava a região de Kapilavastu, entre o Nepal e a Índia. Ainda segundo essa tradição, Sidarta cresceu em um palácio, protegido por seu pai, o rei Suddhodana, de todas as possíveis amarguras da vida. No entanto, com a idade de 29 anos, ele conseguiu escapar do palácio com seu cocheiro Chandaka e vislumbrou o que viria a ser a semente do Budismo, ou seja, um homem velho, um homem doente, um cadáver e por fim um asceta  (personagem comum na época, que rejeitava os prazeres mundanos para alcançar a iluminação espiritual).

Sidarta então resolveu deixar o palácio e buscar respostas para essas aflições comuns a todos os seres humanos ou o que se denominou “As quatro nobres verdades” no budismo : nascer ( em um mundo de sofrimentos  ), envelhecer, adoecer e morrer. Seguindo o ascetismo, Sidarta renunciou à vida mundana e recolheu-se a uma prática de jejuns, meditação e automortificação para alcançar a iluminação. Insatisfeito, ele percebeu que esse extremo era tão inútil quanto a vida abundante no palácio e aos 35 anos alcançou a iluminação pelo que no budismo define como “caminho do meio” ( nem a autoindulgência, nem a automortificação ), criando uma religião baseada no equilíbrio, na compaixão e na constatação de que tudo na vida está interligado.

Sidarta, ou Buda Sakyamuni ( “o sábio dos sakyas” ) morreu aos 80 anos e após sua morte, seus ensinamentos se difundiram por tradição oral ( posteriormente transcritas em escrituras ) do nordeste da Índia ao Sri Lanka, oeste da Ásia, Tibete, China, Coréia e Japão.

A difusão do Budismo por todos esses territórios, após a morte de Sakyamuni, criou uma divisão da doutrina Budista em dois grupos. O primeiro acreditava que, segundo Sakyamuni, cada ser humano seria o responsável por sua própria iluminação, legitimando uma vida monástica e de recolhimento do mundo material. O segundo interpretou “que de nada adiantaria alcançar a iluminação sem ensiná-las aos outros, ajudando o próximo a iluminar-se também”. O primeiro grupo ficou conhecido com Hinayana ou pequeno veículo e o segundo como Mahayana ou grande veículo. 

A partir dessas duas divisões, originaram-se inúmeras subdivisões ou escolas, em diferentes culturas e cenários históricos, a partir de interpretações das escrituras budistas, conhecidas como Sutras e compiladas a partir da morte de Buda Sakyamuni.  Dalai Lama, que eu achava que representava o Budismo como um todo, pertence a uma dentre as muitas variantes existentes, no caso a escola Gelug, do budismo tibetano.

Claro que para uma ocidental, latino-americana, criada em escola de freiras, o Dalai Lama seria o máximo de budismo que eu poderia conhecer e quando uma amiga me chamou para um reunião budista, foi curioso perceber que aquele ambiente em nada se aproximava do filme “O pequeno Buda”, ou “Sete anos no Tibet” que eu havia assistido, ou ainda de alguns templos que eu havia visitado, com estátuas de Budas, muito vermelho, amarelo e dourado.

Como católica, eu estava acostumada a figura transcendental de um Deus, algo que me “tirasse” da banalidade da vida cotidiana. Por isso aquelas figuras budistas grandiosas, douradas, culturas exóticas como a tibetana, com monges em trajes coloridos, mandalas e pinturas de seres celestiais da cosmologia budista me atraíam, obviamente. Mas minha amiga frequentava uma escola budista bastante diversa, chamada Budismo Nitiren, fundada pelo monge de mesmo nome, no Japão feudal, mais especificamente no século XIII. Além disso, fui apresentada a esse budismo através da organização leiga Soka Gakkai ( que possui sedes em quase duzentos países ), uma organização privada e sem fins lucrativos, criada originalmente como uma escola de pensamento pedagógico voltado para a criação de valores e apoiada nos preceitos do budismo Nitiren.

Nesse budismo não adoramos ou reverenciamos imagens budistas e por ser a SGI ( Soka Gakkai Internacional ) uma organização leiga ( ou seja, não associada ao nenhum clero ) não há monges ou monjas e sim pessoas comuns, com maior tempo de prática, que guiam as que chegam, de forma a orientar a prática e os estudos. Nitiren , debruçando-se sobre os sutras budistas , concluiu que o Sutra de Lótus seria o mais importante dentre os sutras ( ou ensinos ), deixados por buda Sakyamuni e resumiu a busca pela iluminação na recitação de um único mantra, o Nam Myoho Rengue Kyo , ( basicamente o título do sutra de lótus em japonês ) deixando ainda um pergaminho com a inscrição de todas as divindades budistas, em forma de mandala, defronte à qual seus seguidores recitam esse mantra.

Nem todas as escolas budistas seguem a mesma direção. Algumas enaltecem outros sutras e priorizam outras práticas. Em comum, há sempre a compaixão pelo próximo e por toda a forma de vida e a crença de que tudo está interligado. Para o budismo Nitiren, a iluminação pode ser atingida no aqui e agora e a vida cotidiana do mortal comum seria a porta para iluminação, ao contrário do que acreditam outras vertentes em que a iluminação seria o resultado de inúmeras reencarnações para por fim alcançar-se o Nirvana ou extinção ( e cessando o ciclo das reencarnações ou Samsara ).

Seja como for, o budismo é uma religião em que inexiste a figura de um Deus salvador e em que Buda significa “aquele que despertou”. No budismo Nitiren e notadamente na Soka Gakkai, o humanismo e a relação de pessoa para pessoa é o que conta, enaltecendo o ser humano e o estado de Buda que existe em cada um. Potencialmente nós já somos Budas, ou seja, seres ilu. Basta despertar !